Cintilância

 

Não me acorde. Por favor.

Acho que estou apaixonada. Apaixonada pela terra de sonhos onde nada é real e tudo é possível. Em que o sol brilha forte e eu tenho que apertar os olhos, mas pela primeira vez em muito tempo não reclamo. Não chio. Gosto e, pasmem, até desejo ficar com a pele avermelhada. Lá ultravioleta não é raio, é flor. Nesse mundo minha risada faz parte do rumor das ondas quebrando na praia.

Não me acorde.

Nas últimas noites eu abri a janela e liguei o abajur antes de me deitar. Eu não quero abrir os olhos e reencontrar a escuridão silenciosa do meu quarto.

Em chamas.

Carrego em meus braços as almas de todos aqueles a quem magoei.  Ouço, em meus ouvidos cansados, os gritos desesperados e agudos dos que clamam por ajuda, perdão e misericórdia. Minha boca seca não consegue responder. Não bebo água a tanto tempo que mal consigo saber os números exatos.

Meus ombros queimam embaixo do sol escaldante e as areias do deserto machucam meus pés descalços e fracos, sangrando, pedindo descanso, pedindo para parar.

Quem dera eu pudesse; é tudo o que peço quando olho pra cima, para o céu que nunca muda de cor, mas tenho que continuar andando. Andarei e andarei até que seja suficiente, até que os meus braços não precisem carregar mais alma alguma. Não posso me dar ao capricho de parar agora, não depois de tanto tempo, estando tão, tão perto…

Sinto o cheiro de água e grama, por isso sei que logo a dor acabará. O cheiro me alcança trazido pelo vento que vem de todos os lados e tenho que fechar os olhos, às vezes pelo brilho intenso, às vezes pela areia que neles tenta entrar. Vejo somente amarelo, sem começo, sem fim. Só que tem fim. Eles gritam que tem fim e eles são tudo o que consigo escutar. Preciso chegar lá. Sei que em alguma hora chegarei… Mas quando exatamente? Eu quero, eu preciso, pelo menos uma vez, algo bom… Algo que os faça parar.

Eles nunca deixam de gritar meu nome.