É pedir muito?

Eu queria que você fizesse parte da minha vida.

Você meio que faz. Mas a realidade virtual não é… real, sabe?

Ela não preenche os vazios do sofá em uma noite de filmes e pipoca em casa, não esquenta o lado da cama depois e não traz sua respiração lenta e adormecida pra embalar meu próprio sono.

Odeio como a gente tá perto, ali ao alcance das mãos trocando palavras por metade de todos os nossos dias. Como atravessar um bairro é tudo que basta pra eu poder esconder meu nariz no seu pescoço durante um abraço apertado. Como a distância é pouca, mas tanta, tanta, que dói de apertar a garganta quando penso em você do meu lado.

Gosto muito de repetições, meus exemplos sempre vem em duplas ou trios. Mas odeio estar vivendo a mesma história, outra pessoa. Relações humanas não foram feitas para acontecerem por uma tela iluminada.

Eu queria que você fizesse parte da minha vida. Simples assim, do meu ladinho.

Astronauta

Beijar você deveria ser proibido por lei

Claro que é preciso considerar se o universo intergalático já as possui

Porque seus lábios são sistemas solares na galáxia que é seu corpo

Sua língua um dos muitos sóis que aquecem e trazem suspiros

 

Falo dos beijos porque esses me tocam

Mas seus dentes são estrelas

Acesas em sorrisos sinceros

A milhões de anos luz daqui, sim

Porém tão lindas que mesmo a distância não me impede de adorá-las

 

O conjunto tira o ar

Assim, me deixando como uma astronauta em pleno espaço

Flutuando em gravidade zero

Intoxicada pelo hálito de saturno

Sufocada pela falta de proteção

 

Quando te conheci

Ninguém me avisou

Que precisaria ser treinada pela NASA para amar

Mas mesmo que fosse

Acho que eles não conseguiriam me preparar para os infinitos que definem você.

Repetições

Quando você diz “eu não tô bem” meu primeiro instinto é te envolver nos braços – mas, pra segurança do abraço apertado ter algum efeito, você teria que me permitir. É complicado mesmo querer cuidar de alguém, estar com alguém, amar alguém, quando cada passo é um campo minado.

Em um dia é tudo amor – as vezes sexo, com afeto, com carinho, com você. Mas na manhã seguinte a bomba explode e no lugar de um grande “boom” traz um silêncio interminável que se instala entre as batidas do meu coração.

Fico com fome. Fome de saber se você já melhorou, saber o que precisa, saber como ajudar. Te cuidar de corpo e alma. As respostas não vem e continuo assim, mirrada, me alimentando de solidão e desnutrida por tabela.

Quando em um dia me aceita e no outro rejeita, me sinto assim. O amor escorre pelo canto dos olhos sem ter pra onde ir e seu “eu não tô bem” reflete em mim.

Sílabas entalam em minha garganta. Tusso, luto – mesmo assim nem vogais, nem consoantes conseguem se livrar do emaranhado.

Junto dessas tantas palavras não ditas estão sentimentos certeiros, perigosos e afiados. Quando passam, fazem o caminho contrário e em vez de ir para fora acabam nos pulmões. Ali se entalam, perfuram alvéolos, rasgam tecidos. Afogo-me sem água, em terra firme, ao lado de ciúme, melancolia, desespero e culpa.

Quando por acaso uma ou mais expressões escapam – as vezes elas se desembaralham, escalam pelas amídalas, escorregam na língua e sem timidez correm entre os dentes – formam sempre, sem exceção, as frases erradas.

Nunca é desculpa, ou eu me importo, menos ainda sinto saudades suas.

A grosseria, escorregadia, banhada em veneno e saliva, se desprende muito mais fácil. Ela até parece defesa. Um escudo de segurança, maneira de aplacar a vulnerabilidade das palavras macias, que de outra forma se exporiam sem pudor.

Nesse caso há sempre o rebote. Não dizem tanto “o que vai, volta”? Pois sim, não só volta, como bate na face com força, sobe pelo nariz como água com cloro da piscina e faz arder, pegar fogo.

Depois disso muito mais entala, mais arde, mais perfura em um ciclo sem fim de falsas defesas e belezas renegadas. Assim, só há um resultado:

Afogo-me cada vez mais.

Acordei

Fui dormir com vontade de amar. Acordei apaixonada – anulada por um coração que sabe, mas ignora qualquer razão.

Reduzida a nada mais que uma ansiedade, em prontidão.

Não sei o que sonhei. Mas foi o sonho mais perigoso da minha vida.

Menino do céu

Evitei a todo custo. Cruzei ruas distantes da sua, fugi das nossas músicas no Spotify, joguei fora as fotos de onde fomos juntos e passei a olhar mais para o chão, não para as estrelas.

Toda história de amor é assim, com começo, meio e fim – onde o fim é tentar esquecer as páginas anteriores.

O que ninguém te conta é que, ah, não sonhar acordado é muito fácil. Bota o trabalho na mesa, a cara no trabalho, depois liga para aquele amigo-irmão e passa a noite toda falando besteira enquanto bebe mais uma.

Desafio mesmo é fechar os olhos. As pálpebras cerradas estampadas das estrelas que não quis olhar – uma a uma brilhando mais forte, sinalizando memórias que você não quer lembrar. Puro deboche, é isso que vem delas – só porque você podia tocá-las nas pontas dos pés e agora nem a mais alta das escadas, nem um ônibus espacial, pode te ajudar a alcançá-las.

Eventualmente, é isso que custa ser uma garota das letras e se apaixonar por um menino do céu. Daqui vem poesia e de lá vem melodia, uma dança cósmica de escritos e palhetas que nem sempre – quase nunca – resulta em harmonia.

Padrão

O horrível

sobe pela garganta

é sentido na boca

empurrado pela língua

direto pro esgoto da vida.

 

Sem isso, não há paz.

 

Há um punho no esôfago

Uma garra na traqueia

Lava no estômago.

 

A gente bota o ruim pra dentro porque quer

e enquanto nada sair do corpo

à força

com força

deixando-nos sem forças

não tem descanso.

 

Sem isso, não há paz.

 

Porque a cabeça louca

ligada na boca

não entende as belezas casuais

É obcecada na efemeridade dos anjos

Das capas

Das páginas

Dos cliques

Dos likes

Das ondas invisíveis

Menos na realidade

 

Ela se mata sem querer,

querendo ascender

Sem saber

Que a busca

Leva ao inferno.

Pão de queijo.

Sinto ciúme da cidade que te faz refém
pelo passado, pela saudade,
pela lembrança que me esquece.

Você aí.
Eu aqui.

Fico sozinha
em um poço sem fundo que já estava cavado
outros poços em volta,
só faltava me jogar.

Meu coração fisgado
dói no peito
sem motivo além do anzol que você lançou e, bobo ou cruel, nunca vou saber,
“esqueceu” de tirar.

Esquecer.
Isso a gente faz bem.
Você esqueceu de mim
porque eu não esqueço você?

Não viaje.

 

De todas as coisas ela pediu que ele não fosse embora

Caso partisse, quando voltasse

(tinha a certeza de que ele voltaria)

Lhe trouxesse um presente de suas jornadas.

A primeira promessa ele nunca cumpriu

A segunda, em partes

Já que tratou de mandar um cartão postal

Uma foto do Cristo Redentor, felicidades e abraços

Direto dos correios cariocas.

Trançado

O vento desfez as tranças em seu cabelo liso. Ele dançou longo no ar, deu voltas, ricocheteou em suas bochechas como se nunca tivesse conhecido a liberdade.

O sol já havia se posto e a única luz que a iluminava era a da lua cheia. Havia uma lanterna, sim, mas fora desligada e esquecida ao lado do corpo de Ingrid assim que esta se sentou. Estava cercada de tantos elementos naturais que estragar a composição com luz artificial lhe parecia um pecado imperdoável.

Misturados, o cheiro de areia e água salgada invadia suas narinas com força a cada lufada de vento mais forte. A violência das ondas contra as pedras, lá embaixo, a fazia se lembrar de que a vida é bela, mas nem sempre complacente. Pensou no que não deveria, ficando irritada. Memórias da metrópole, da civilização, sobrancelhas franzidas e olhos opacos. Mas outro pecado seria se deixar levar por sentimentos do passado em momentos únicos como aquele. Suspirou.

Uma mão tocou seu ombro. Era Noel, sorrindo enquanto se sentava ao seu lado. Ingrid se apoiou no companheiro e sorriu de volta. Seus olhos fitaram o mar mais uma vez, antes que ela se entregasse à noite e às sensações.